Sem prova de indiferença a risco, motorista responde por homicídio culposo

3 . outubro . 2019

Para que condutor de veículo que causou acidente com morte responda por homicídio doloso (artigo 121 do Código Penal), é preciso demonstrar que ele assumiu o risco de matar alguém com sua conduta. Sem isso, ele deve responder pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, previsto no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro.

Com esse entendimento, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar para suspender ação penal que um homem responde por homicídio doloso no Tribunal do Júri em São Bernardo do Campo (SP).

Ao empinar a motocicleta que dirigia em alta velocidade, o homem atropelou e matou uma mulher. A Vara do Júri e Execuções de São Bernardo o pronunciou por homicídio doloso.

A defesa dele, comandada por Paula Lima Hyppolito Oliveira, sócia do Mattos Engelberg Advogados, interpôs recurso em sentido estrito buscando a desclassificação do crime para homicídio culposo na direção de veículo.

Como recurso foi negado, ela impetrou Habeas Corpus —primeiro ao Superior Tribunal de Justiça e, após a negativa desta corte, ao STF.

Em decisão de 24 de setembro, Marco Aurélio afirmou que o princípio da especificidade e os pressupostos do dolo eventual não permitem converter infração penal de trânsito em crime doloso contra a vida.

O ministro ressaltou que só é possível afirmar que alguém agiu com dolo eventual se ficar demonstrada indiferença dele quanto à provável consequência.

“É cômodo ao Estado-juiz eximir-se de enfrentar o tema, sob a óptica de não usurpar a competência constitucional do júri. A matéria mostra-se exclusivamente jurídica, e não fática, cumprindo ao Poder Judiciário a palavra final, e não aos jurados, leigos em Direito, sujeitos a inseguranças e incertezas, dando margem a discrepâncias judiciais, isto é, que situações rigorosamente idênticas sejam tratadas diferentemente, em detrimento da isonomia. Não por outra razão o procedimento é bifásico, reservada a primeira etapa ao controle técnico da imputação”, apontou Marco Aurélio.

O ministro ainda lembrou que o Código de Trânsito Brasileiro estabeleceu que, nos crimes de trânsito, a embriaguez e o excesso de velocidade são, em regra, elementos indicativos de culpa, não dolo.

 

Presunção de inocência
A advogada Paula Lima Hyppolito Oliveira afirma que tem sido comum os juízes enviarem casos semelhantes para o júri, com base na premissa in dubio pro societate, quando o que deveria basear a decisão é o in dubio pro reo.

“No tribunal do júri é muito comum os juízes utilizarem o brocardo in dubio pro societate, que não encontra guarida na Constituição ante o princípio da não culpabilidade. Por outro lado, a não observância do in dubio pro reo leva a situações como a presente, em que a matéria de fundo —ocorrência de dolo eventual ou culpa consciente—, de dificílima solução até para os operadores do Direito, seja levada aos jurados leigos. O magistrado não pode lavar as mãos e adotar a posição mais cômoda de determinar a análise dos fatos pelo júri, cabe a ele dirimir a questão, e, na dúvida, desclassificar a conduta ou impronunciar o réu”, destacou Paula.

 

Fonte: Conjur


 

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