Ninguém duvida que o ano de 2020 foi um ano de grandes desafios. A humanidade foi testada em vários sentidos e, francamente, ainda não sabemos se efetivamente passamos no teste. Alguns esforços, no entanto, se destacaram nesse período: o dos cientistas na busca da vacina e do tratamento da COVID-19 e do agronegócio, para manter a cadeia de suprimento dos insumos agropecuários e garantir a segurança alimentar planetária.
Para o agronegócio brasileiro os desafios não foram pequenos. Desde manter os trabalhadores rurais e os das indústrias processadoras, bem como suas famílias, sanitariamente seguros sem prejuízo da continuidade da produção, até garantir a regularidade na distribuição dos produtos, por via rodoviária e marítima, respeitando contratos domésticos e internacionais.
Os esforços em 2020 valeram a pena, sem dúvida. O setor do agronegócio saiu praticamente ileso da crise econômica provocada pela pandemia e ainda experimentou forte alta dos preços das principais commodities exportadas. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, entre janeiro e agosto de 2020 as exportações brasileiras de produtos do agronegócio somaram US$ 69,63 bilhões, o que representou um crescimento de 8,3% em relação ao mesmo período em 2019, quando as vendas foram de US$ 64,31 bilhões. Projeções indicam que o Brasil deve bater novo recorde nas exportações dos produtos do agronegócio em 2020.
O ano de 2020 ainda assistiu a promulgação da Nova Lei do Agro, como ficou conhecida a Lei 13.986/20 que trouxe várias novidades relacionadas ao financiamento e à viabilização financeira do setor, como a modernização dos títulos do agronegócio e a possibilidade de sua emissão em moeda estrangeira, a instituição de novos instrumentos de garantia a serem oferecidos pelos tomadores de crédito.
Esse histórico, juntamente com as boas notícias em relação à produção de vacinas eficientes por diferentes laboratórios internacionais, deveria trazer uma expectativa de refresco e bonança para o ano de 2021, mas lamentavelmente outros desafios, principalmente jurídicos, aparecem no horizonte do novo ano, reclamando nossa atenção e prevenção.
Apesar dos avanços trazidos pela Nova Lei do Agro, alguns aspectos ainda precisam ser regulamentados para que possam efetivamente entrar em prática, em especial as regras para o registro das CPRs, que será obrigatório a partir de 1º de janeiro como condição de validade e eficácia. O desafio, neste caso, é não deixar que essa obrigação se torne apenas mais uma burocracia para a emissão das CPRs mas, sim, um instrumento vantajoso para o setor, seja no levantamento do endividamento do emitente da CPR, seja para a rastreabilidade do produto representada pelo título. Além disso, é vital que o registro das CPRs converse com o registro das respectivas garantias reais inclusas no título, seja o penhor rural do produto, seja a alienação fiduciária do imóvel. Vale dizer, se não houver interação entre esses registros e o beneficiário do título continuar com o ônus de se deslocar até os respectivos cartórios de registro de imóveis para o registro das garantias, a obrigação prevista do artigo 12 da lei 13.986|20 se revelará inócua.
Outro grande desafio vem na esteira da aprovação do Projeto de Lei n° 4458, de 2020, que altera as Leis nºs 11.101, de 2005; 10.522, de 2002; e 8.929, de 1994, para atualizar a legislação referente à recuperação judicial, à recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária. Influenciada pelos recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça que reconhecem o direito ao devedor rural em requerer recuperação judicial, mesmo que possua registro recente na Junta Comercial, mas que exerça regularmente sua atividade há mais de dois anos e com contabilização regular de suas operações, a nova lei de Recuperação Judicial trará para os contratos celebrados no setor do agronegócio brasileiro um risco novo que certamente impactará nas tomadas de decisão de concessão de crédito.
Aliás, é nos contratos que reside outro importante desafio jurídico para o ano de 2021. Dados publicados na mídia indicam que em agosto deste ano de 2020 já se havia negociado aproximadamente 44% das 131,6 milhões de toneladas estimadas para o ano, um percentual quase três vezes superior à média para o período. Ocorre que a pressão sobre os preços das commodities, que não deve diminuir em 2021, e uma eventual queda de produtividade das lavouras em razão dos efeitos da El Niña, poderão gerar discussões sobre o cumprimento daqueles contratos.
Outros desafios também se assomam no horizonte: desde a questão do tabelamento do frete, que ficou esquecida neste ano, à retomada das discussões para implementação do acordo Mercosul-EU, sem descontar as novas políticas comerciais que poderão vir por parte dos EUA, agora sob nova gestão.
Enfim, apertem os cintos porque continuaremos sob fortes turbulências em 2021.
Por Frederico Favacho