Enquanto muitos não veem a hora de voltar à rotina prépandemia, empresas dos mais diversos setores se preparam para novos padrões em seus ambientes de trabalho impostos pelo coronavírus, e que têm chance até de se tornarem permanentes. E as novas tendências vão muito além da instalação dos potes de álcool nas paredes. A escala atingida pelo coronavírus deve alterar a maneira como as pessoas trabalham,fazem reuniões e se relacionam com os colegas. Novos produtos também estão sendo pensados para acompanhar o que será a realidade futura. —Esta pandemia está acelerando exponencialmente transformações que, de alguma forma, estavam ocorrendo. Costumo dizer para meus clientes que aquilo que a gente imaginava para 2025 acontecerá agora, em 2020 ou 2021 —diz Federico Servideo, sócio da consultoria PwC Brasil. O executivo acredita que as mudanças passarão pela tecnologia,o debate sobre a privacidade versus interesse coletivo e um novo patamar de responsabilidade social. Da mesma forma que os governos serão cobrados a terem um atendimento mais forte aos menos favorecidos, as empresas terão que se preocupar socialmente com sua cadeia, incluindo fornecedores. Os consumidores, diz, estão mais atentos a isso.
Frank Pflaumer, vice-presidente de Marketing e Comunicação da Nestlé no Brasil, conta que a multinacional está mudando tudo. O home office veio para ficar. Há uma nova política de uso de elevadores, mudanças na rota de circulação dos escritórios, horários diferenciados nas fábricas e outra divisão geográfica dos refeitórios. Até os centros de distribuição da empresa estão investindo em automação e controle por voz para evitar o toque desnecessário em algumas superfícies. — Também estamos fazendo uma revisão do portfólio de produtos. No primeiro momento da pandemia, vimos que tínhamos que focar nos produtos nutritivos. Como podemos ajudar? Com receitas mais rápidas, sujando apenas uma panela, o que impacta na louça para lavar. Este tipo de questão tende a ficar.
No varejo as mudanças devem ser ainda maiores. Compras maiores e mais planejadas tendem a continuar após a pandemia, pois as pessoas evitarão muitas idas ao mercado. Os investimentos em higiene e limpeza serão o novo padrão, observa Fernanda Vilhena, gerente de atendimento ao varejo da consultoria Nielsen Brasil: —Vemos alguns destes movimentos nos países que estão retornando ao normal, como China e Austrália. Algumas mudanças devem perdurar, e o varejo está se adaptando.
Os escritórios do futuro devem voltar ao passado: saem os grandes espaços abertos com mesas compartilhadas, voltam salas com divisórias. Elas facilitam o distanciamento social e reuniões por videoconferências, que crescem como nunca. Alguns projetos arquitetônicos de áreas corporativas criam conceitos como uma rota de circulação no escritório, com via de entrada e outra de saída. Demarcações no chão ajudam a manter o espaço de “segurança” entre as pessoas, ou seja, evitando contatos a menos de dois metros. — Com certeza os desafios impostos pela pandemia trouxeram muitas discussões quanto à ocupação de escritórios e de como será o espaço de trabalho no futuro —afirma Arthur Berni, chefe de Gestão de Projetos da Cushman & Wakefield, que criou o projeto Six Feet Office, um escritório que garante distância segura de “seis pés”, ou 1,8 metro, entre as pessoas.
— Empresas que precisam atuar presencialmente no curto prazo já iniciaram a implementação de medidas de proteção ao coronavírus no espaço físico de trabalho. E muitas certamente serão adotadas como padrão.
Se o home office vai se manter frequente, os lares dos profissionais devem mudar. Arquitetos já estão criando espaços para o teletrabalho nas plantas. Nos lançamentos, as “varandas gourmet” deixam de ser as estrelas e dão lugar aos escritórios particulares, muitos ocupando os espaços das antigas dependências de serviço. — Já vemos isso, mas vai se intensificar. Nossos apartamentos decorados e plantas agora têm destaque para o escritório, algo que tinha caído em desuso quando o Wi-Fi ficou mais geral e os laptops substituíram os desktops nas casas —conta Rodrigo Mauro, diretor de Incorporação da REM Construtora. Marcus Paffi, da Cipriano Paffi Arquitetura, conta que desde o início da pandemia já teve de refazer vários projetos para criar, ampliar ou aperfeiçoar o escritório:
— Um casal com um filho pequeno me pediu para incluir, no apartamento de 220 metros quadrados, um segundo escritório, na área do closet. Como ambos estão trabalhando em casa, às vezes têm dificuldades e precisam de espaços separados.
O advogado Bruno Cavalcanti, sócio do Queiroz Cavalcanti Advocacia, concorda que home office e videoconferências continuarão em alta. E está preparando sua casa: — Investi em um bom fone com microfone e em uma nova cadeira. A do escritório era confortável, mas a de casa não o suficiente para tanto tempo.
Eduardo Lacerda, sócio do Mattos Engelberg Advogados, diz que a nova configuração do trabalho cria novos dilemas: —Um novo modelo de trabalho tem exigido novas normas para novos questionamentos. Como fica o debate sobre sigilo? Como tratar de uma investigação de uma fraude, por exemplo, por videoconferência, com as pessoas (da família) em casa?