A pandemia do coronavírus já é utilizada para que credores consigam prazos extras de seus financiamentos. A Justiça do Rio Grande do Sul garantiu, nesta semana, que um grupo de produtores rurais gaúcho pudesse renegociar créditos com um banco por um prazo de 60 dias, sem que isso se configurasse com um processo formal de recuperação judicial. Especialistas acreditam que decisões como essa devem começar a se espalhar pelo Judiciário brasileiro.
– Esta é uma edição histórica e inovadora, pois permite um prazo maior para um acordo que pode evitar disputas judiciais – afirmou o advogado Euclides Ribeiro Silva, da ERS Advocacia, que conseguiu a decisão. – Prioriza uma solução negociada em um momento de grave crise social e econômica.
A ação foi movida por Francisco de Paula Assumpção Magalhães, representante do “Grupo Magalhães”, de produtores rurais, que tentam maior prazo para seu crédito rural, mas sem entrar de imediato com um pedido de recuperação judicial, o que acabaria, do dia para a noite, com a capacidade de obtenção de novos empréstimos.
Com a decisão, a juíza Carla Barros Siqueira Palhares, de Santana do Livramento (RS), dá um período extra de 60 dias para que os produtores rurais apresentem um plano de recuperação, dando por este período uma carência que impede ações contra a empresa.
“Aponto que a presente decisão funciona apenas como um juízo de admissibilidade prévio acerca da presença dos pressupostos processuais e condições de procedibilidade da Recuperação Judicial, que visa a atender os anseios dos devedores, bem como garantir a economia processual, ainda mais em tempos de pandemia mundial por Covid-19, dando a faculdade de se realizar o processamento de uma Recuperação Extrajudicial com menor custo aos autores, a fim de evitar que mais créditos nasçam com o processamento de uma recuperação judicial, que já se encontram em extrema crise financeira, antes do recebimento da recuperação judicial”, informou, em sua decisão.
Novo caminho
Janssen Murayama, sócio do Murayama & Affonso Ferreira Advogados, acredita que decisões como estas devem começar a ser cada vez mais comuns, em especial contra bancos. Ele acredita que a argumentação do impacto da pandemia tende a sensibilizar os juízes.
– Em geral há uma tendência a adiar o pagamento de tributos federais e dos bancos, porém não vemos, nem administrativamente e nem nos tribunais, o adiamento de tributos estaduais e municipais, em parte pela argumentação que estes governos estão tendo aumento de despesas com o coronavírus – afirmou o especialista. – Mas deve ter cada vez mais ressonância no Judiciário a tese de que os bancos podem dar condições melhores. Somente a existência desta tendência tende a favorecer um ambiente para acordos.
Felipe Hermanny, sócio do Campos Mello Advogados, afirma que, mesmo se tratando de um caso isolado, ela pode indicar a tendência de uma jurisprudência:
– Essa decisão trata de uma situação específica em que o devedor promove um pedido de recuperação extrajudicial, que tem regras próprias. Porém, de forma geral, o que tenho verificado é uma análise cuidadosa de todo o Judiciário diante de uma quantidade crescente de pedidos de revisão de contratos. Isso porque, no momento em que essas decisões ganham visibilidade maior, há estímulo para que as partes busquem benefícios pela via judicial, mesmo quando a sua situação ainda não exija tal benesse. Haverá casos em que a repactuação será realmente necessária, mas, infelizmente, também haverá certo oportunismo.
Frederico Favacho, sócio do Matos Engelberg Advogados, afirma que a decisão é ruim por ampliar a insegurança jurídica e vem em uma tendência de produtores rurais tentarem meios para renegociação de suas dívidas.
Ele conta que há decisões que permitem a recuperação judicial para estes produtores sem que eles tenham cumprido o período de dois anos de reconhecimento de entidade empresarial, como exigido em Lei. Agora, com decisões como esta, ampliam as inseguranças:
– Essa é uma decisão preocupante de algo que começou no ano passado. E que vai ter impactos no futuro, pois estes novos riscos serão levados em conta na concessão de futuros créditos rurais – disse o especialista.