O governo Jair Bolsonaro se viu ontem envolvido em mais uma polêmica. Dessa vez foi com a edição de uma medida provisória que flexibiliza as regras trabalhistas para o enfrentamento da crise econômica do coronavírus. O texto publicado em edição extra do “Diário Oficial” prevê a suspensão de contrato de trabalho por até quatro meses, sem necessidade de pagamento de salário pelo empregador ou pelo governo. Com a forte reação contrária, Bolsonaro anunciou que o dispositivo será revogado.
Na realidade, o governo deve editar uma nova MP com proposta semelhante, mas limitada a alguns setores e já prevendo que trabalhadores que aceitarem um acordo de suspensão de contrato receberão do governo federal o seguro-desemprego.
Logo pela manhã, diante da forte repercussão, o secretário-especial de Trabalho e Previdência do ministério da Economia, Bruno Bianco, responsável pela iniciativa, chegou a prometer que a contrapartida do governo seria publicada em outra MP ainda nesta semana. Mas foi atropelado pela decisão de Bolsonaro de revogar o dispositivo. De tarde, Bianco anunciou a reedição da MP de forma mais completa, com uma compensação aos trabalhadores pelo governo.
No Congresso, houve reações fortes do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que chamou a medida de “capenga”, e de deputados como Alessandro Molon (PSB-RJ), líder do seu partido na Câmara, que pediu a devolução da MP. Essa medida poderia ser adotada pelo presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). “O grande problema é o governo ter esquecido a parte mais frágil dessa história. A gente é a favor de ajudar as empresas, mas os trabalhadores não terem nenhum apoio”, disse Molon. “O governo tem que editar outra MP que equilibre os dois lados”, acrescentou. O PDT entrou com ação no STF contra a MP.
Apesar de o ministro Paulo Guedes ter afirmado em entrevista a “O Globo” que houve um erro na MP e que seria corrigido, a decisão de deixar de fora a compensação aos trabalhadores ocorreu porque a estratégia era deixar isso para outra MP. Essa nova MP concentraria todas medidas que teriam impacto fiscal, apurou o Valor, porque é necessário incluir a despesa no Orçamento. E isso demanda pedido ao Congresso de abertura de crédito.
O fato é que o desenho do custeio dessa medida ainda não estava pronto. Optou-se então por fazer a MP sem essa parte, sem que se tivesse adequadamente antecipado a repercussão política negativa.
E as críticas dos congressistas foram decisivas para o recuo presidencial. Maia disse que o texto não estava alinhado com o que tinha sido apresentado a ele pela equipe econômica. Após destacar que a MP gerou “pânico” e “criou uma crise desnecessária”, o presidente da Câmara lembrou que o governo federal sinalizou que encaminharia a sugestão de redução de 50% dos salários para quem ganha até dois salários mínimos, o que não aconteceu. “Estou achando que mandaram uma medida provisória capenga. Acho que não dá pra gente construir soluções pontuais a cada momento. Isso vai gerar mais estresse e mais problema”, disse. Com o recuo de Bolsonaro, Maia “tirou o pé” e passou a considerar a possibilidade de a proposta avançar no Congresso. O chefe da Câmara também enfatizou que, “se governo não entender que precisa colocar dinheiro, fica muito difícil”.
Após o movimento do Planalto, a leitura no Congresso era que a temperatura tenderia a baixar. Apesar disso, integrantes da cúpula do Senado ressaltaram ao Valor que Bolsonaro terá de enviar uma nova MP porque ele não poderia, do ponto de vista regimental, revogar um único dispositivo do texto depois que este já foi encaminhado ao Congresso. Há dois caminhos: ou enviar uma nova MP revogando apenas o artigo 18 do texto anterior ou solicitar que Alcolumbre a devolva ao Executivo.
Além da polêmica sobre a suspensão dos contratos de trabalho, a MP flexibiliza uma série de regras trabalhistas, permitindo antecipar férias individuais e coletivas e também feriados, o teletrabalho (“home office”), entre outras medidas que haviam sido antecipadas na semana passada.
Determina que a fiscalização dos auditores do trabalho será “orientadora”, à exceção de casos específicos como trabalho análogo à escravidão, e permite a prorrogação de certidão negativa de débitos da Receita e da PGFN durante o período de duração do estado de calamidade pública.
O sócio para assuntos trabalhistas do escritório Bichara Advogados, Jorge Matsumoto, disse que a MP tem virtudes, como a flexibilização de regras para antecipação de férias, folgas e teletrabalho, mas exagerou na parte em que trata da suspensão do contrato de trabalho, deixando o trabalhador desprotegido. “Precisa ter uma participação do Estado que não está lá previsto”, disse.
Ele afirma que a medida é um “layoff incompleto e desigual”, pois trata do mecanismo estabelecido na reforma trabalhista de 2017 sem as contrapartidas do governo e dos empregadores. Sem isso, explica, é mais vantajoso financeiramente para o trabalhador ser demitido.
Leonardo Echenique, sócio do escritório Mattos Engelberg Advogados, classifica a MP de “bastante temerária”, ao deixar nas mãos dos empregadores a decisão sobre se pagam ou não algum vencimento para os funcionários com contrato suspenso. “É uma medida incompleta, deveria ter pelo menos alguma definição de pagamento mínimo, não pode simplesmente poder não pagar nada”, disse.
Fonte: Valor