‘Dívida Aberta’ expõe o contribuinte

4 . fevereiro . 2020

No último dia 29 de janeiro, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) lançou um aplicativo denominado “Dívida Aberta”, que permite conhecer abertamente os débitos inscritos em dívida ativa da União e do FGTS de qualquer contribuinte, pessoa física ou jurídica, considerados como em situação irregular e mesmo que ainda pendente discussão judicial protegida por segredo de justiça, em flagrante desrespeito às decisões do Poder Judiciário nesse sentido.

Considera-se como em situação irregular os débitos não abrangidos por causas de suspensão da exigibilidade (por exemplo, a pendência de discussão administrativa, a existência de depósito judicial ou o parcelamento) ou garantidos (por exemplo por penhora, carta de fiança ou seguro fiança).

Para acessar as informações, basta fazer o download do aplicativo e digitar nome, CPF ou CNPJ do contribuinte para verificar se é devedor da União ou do FGTS e qual o montante da dívida, sem qualquer restrição ou observância ao sigilo das informações financeiras e fiscais. No caso das pessoas físicas, será ocultada parcela do respectivo CPF; no caso das pessoas jurídicas, todos os dados públicos são passíveis de divulgação.

A iniciativa da PGFN, que pretende cumprir a Política de Dados Abertos do Poder Executivo Federal instituída pelo Decreto nº 8.777/2016, assenta-se na Portaria nº 636, de 09 de janeiro de 2020, que, por sua vez, se baseia nos artigos 198, §3º, e 202, do Código Tributário Nacional, pelos quais não se caracterizaria como violação ao sigilo fiscal a divulgação de informações relativas à dívida ativa da União.

Muito embora encontre respaldo nos mencionados dispositivos, a medida vem expondo contribuintes de forma vexatória – com ênfase para aqueles taxados pela própria PGFN como “maiores devedores” do Brasil, divulgados na própria página de abertura do aplicativo, independentemente de pesquisa prévia.

Essa forma de exposição encontra óbice em princípios constitucionais que protegem o sigilo de informações privadas, a dignidade da pessoa humana, o devido processo legal e até mesmo a presunção de inocência.

Expor publicamente informações tributárias de um contribuinte sem que os respectivos débitos tenham sido objeto de julgamento definitivo por parte do Poder Judiciário leva à precoce e indevida conclusão, com base em juízo unilateral da União, de que determinado contribuinte é, antes que um simples devedor, um verdadeiro sonegador!

Observe-se que em um país cuja legislação tributária é considerada como das mais complexas do mundo, da mera existência de débitos em discussão não se pode concluir pela existência de intenção dolosa de subtrair tributo.

Ora, a União já possui uma série de privilégios de que credores privados não dispõem, como a prerrogativa de outorgar ou não certidão de regularidade fiscal a determinado contribuinte a depender da situação de seus débitos, assim como procedimento judicial de cobrança específico, a chamada execução fiscal. Nesse contexto, não há razão para também expor o contribuinte a uma situação vexatória, com potenciais repercussões negativas à sua imagem e atividade empresarial.

Não é demais dizer que, da forma como vem sendo aplicada, a exposição causada pelo aplicativo “Dívida Aberta” configura forma coercitiva de pagamento de tributo, na medida em que expõe o contribuinte, forçando-o a pagar um débito que, por vezes, pode ser objeto de questionamento ou pende de confirmação pelo Poder Judiciário. Com efeito, formas coercitivas e indiretas de cobrança tributária há muito vêm sendo repudiadas pelo Supremo Tribunal Federal, o que se espera seja reiterado no presente caso.

A novidade merece atenção por parte dos contribuintes que, sentindo-se violados, podem buscar a revisão de suas dívidas ativas pela própria PGFN ou buscar socorro direto perante o Poder Judiciário, a fim de que suas informações fiscais permaneçam sob o manto do sigilo, ao menos enquanto ainda não definitivamente confirmadas.

 

Fonte: Estadão


 

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