Uma crítica ao Projeto de Lei n°4.198/2012, que recategoriza a REBIO Arvoredo em Parque Nacional

9 . julho . 2021
Uma crítica ao Projeto de Lei n°4.198/2012, que recategoriza a REBIO Arvoredo em Parque Nacional

Em 12.3.1990, o Decreto Federal nº. 99.142 criou a Reserva Biológica Marinha do Arvoredo (“REBIO Arvoredo”), com o objetivo de proteger amostra representativa dos ecossistemas da região costeira ao norte da ilha de Santa Catarina, suas ilhas e ilhotas, águas e plataforma continental, com todos os recursos naturais associados.

Nos termos do art. 3º, do Decreto Federal nº. 99.142, a REBIO Arvoredo encontra-se subordinada ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA (“IBAMA”), responsável pela adoção das medidas necessárias à sua então implantação, manutenção e controle.

Ainda, nos termos do art. 4º, restou proibida a “pesca de indivíduos jovens de qualquer espécie na região limitada ao norte, pelo paralelo 27°00′ lat. sul, ao sul pelo paralelo 27°30′ lat. sul, a leste pela linha costeira do continente e a oeste pelo meridiano 48º18′ long. WGr.”

Passados 14 anos, o Plano de Manejo da REBIO Arvoredo foi instituído pela Portaria IBAMA nº. 81N/2004 e, com a sua expiração, acabou sendo renovado pela Portaria ICMBio nº. 91/2014, prevendo, em seu artigo 3º, uma proposta de Zona de Amortecimento – que se trata da área ao entorno da Reserva, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas -, com uma abrangência total de 850 mil hectares. Desse total, 99,3% se tratam de área marinha e 0,07% de área terrestre, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, visando minimizar os impactos negativos sobre a unidade, nos termos do art. 2°, XVIII, da Lei n.° 9.985/2000.

Segundo consta do Plano de Manejo, o estabelecimento da zona de amortecimento com tal abrangência se deu com o intuito de fazer valer novas normas específicas de pesca, alternativas ao art. 4º, do Decreto Federal nº. 99.142, de forma a resguardar os objetivos da Reserva, mas sobretudo com o intuito de frear a expansão das atividades de prospecção e exploração de hidrocarbonetos na região.

A despeito de tal fato, e objetivando preservar a intensa atividade pesqueira nas áreas costeiras próximas à Unidade de Conservação, foi criada uma sub-zona, denominada de “Área de Normatização de Pesca e Turismo”, com aproximadamente 91 mil hectares, abrangendo cerca de 10% da área total da Zona de Amortecimento. Nessa área específica, o Plano de Manejo prevê a possibilidade da realização das atividades de pesca embarcada, em embarcações menores que 10 (dez) TAB’s (toneladas de arqueação bruta).

Nesse interim, no ano de 2012, os Deputados Rogério Peninha Mendonça, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), e Esperidião Amin, do Partido Progressista (PP), apresentaram o Projeto de Lei n°. 4.198 de 2012 (“PL nº. 4198/2012”), com o objetivo de recategorizar a REBIO Arvoredo em Parque Nacional, passando-se a denominar Parque Nacional Marinho do Arvoredo.

Tanto a “Reserva Biológica”, quanto o “Parque Nacional”, classificam-se como Unidades de Conservação da classe das Unidades de Proteção Integral, nos termos do artigo 8°, da Lei n° 9.985/2000 (“Lei do SNUC”), que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (“SNUC”). O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei.

A “Reserva Biológica” é uma Unidade de Conservação que visa a preservação integral da biota e dos demais atributos naturais ali presentes, sem a interferência humana direta ou modificações ambientais, conforme o disposto no artigo 10, da Lei do SNUC.  É uma das Unidades de Conservação com regime mais restritivo do grupo de Proteção Integral, sendo considerada como um “santuário ecológico”. Essa categoria de unidade de conservação é de posse e domínio públicos, sendo vedada a visitação pública, exceto com objetivo educacional, assim como a realização de pesquisas científicas, que dependem de prévia autorização do órgão responsável pela administração da unidade. Seus tamanhos são bastante variados, a depender dos espaços necessários para os objetivos científicos a que se propõem.

Já o “Parque Nacional” constitui a mais antiga e popular modalidade de Unidade de Conservação, possuindo como objetivo a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e recreação, de acordo com o disposto no artigo 11, da Lei do SNUC. O “Parque Nacional”, a exemplo da “Reserva Biológica”, é de posse e domínio públicos, sendo permitida a visitação pública, observadas as normas do respectivo Plano de Manejo, assim como a pesquisa científica mediante prévia autorização.

Ambas as Unidades de Conservação são de Proteção Integral, sendo a principal diferença entre elas a possibilidade de visitação turística. Com a recategorização da Reserva Biológica do Arvoredo em Parque Nacional, nos termos do PL nº. 4198/2012, será possível o aproveitamento do potencial turístico da área de forma controlada, assim como o desenvolvimento sustentável dos municípios que se encontram ao redor do parque, com a geração de empregos e renda para a população local, em harmonia com a preservação da fauna e da flora da área sob proteção.

Embora o PL nº. 4198/2012 apresente pontos positivos representados justamente pela possibilidade de abrir a área à visitação turística e, com isso, trazer o incremento econômico aos municípios que circunvizinham a região, o fato é que a consolidação da Zona de Amortecimento na abrangência pretendida, de 850 mil hectares, com a delimitação da “Área de Normatização de Pesca e Turismo” a um percentual de apenas 10% do total dessa área, trará severas restrições à aquicultura e à pesca, inviabilizando as atividades em todo o litoral centro-norte do Estado de Santa Catarina (Florianópolis, Governador Celso Ramos, Tijucas, Porto Belo, Bombinhas, Itapema, Balneário Camboriú, Itajaí, Navegantes, Penha, Piçarras e o sul de Barra Velha), retirando a subsistência de todo um setor, com prejuízos incomensuráveis e quiçá transpô-lo para a ilegalidade.

O PL n° 4.198/2012 já passou pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) e o Deputado Relator Rodrigo Agostinho, do Partido Socialista Brasileiro (PSB) apresentou parecer no último dia 18.5.2021, concluindo pela aprovação do projeto.

No dia 9.6.2021, o Deputado Relator Darci de Matos, do Partido Social Democrático (PSD), da Comissão de Constitucionalidade e Justiça e de Cidadania (CCJC), apresentou parecer opinando pela igual constitucionalidade e juridicidade do projeto. Atualmente, o Projeto de Lei encontra-se aguardando aprovação do parecer do Relator da CCJC.

Tratando-se de um projeto de lei que visa a aprovação de uma lei ordinária, há a possibilidade de apresentar Tramitação Conclusiva, espécie de tramitação que não requer que o projeto passe pelo Plenário, quando as Comissões a ele designadas houverem emitido pareceres com opiniões semelhantes.

In casu, considerando que tanto a CMADS, quanto a CCJC, emitiram pareceres opinando pela aprovação do PL n° 4.198/2012, a próxima etapa, após a devida aprovação do parecer do Relator da CCJC, será o encaminhamento ao Senado Federal.

Tem-se notícia de que essa semana representantes dos setores atingidos pelo PL n° 4.198/2012 estiveram em Brasília em reunião com os autores do projeto, a fim de discutir a propositura de emenda ao projeto de lei, suprimindo o art. 2º, que trata do estabelecimento da Zona de Amortecimento, bem como o parágrafo único, do art. 4º, que estabelece que “a pesca na zona de amortecimento do Parque Nacional Marinho do Arvoredo será regulamentada pelo Plano de Manejo da unidade.”

Ainda que a emenda seja aprovada, não se pode perder de vista que o art. 25, § 1º, da Lei do SNUC, determina que “o órgão responsável pela administração da unidade estabelecerá normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento”, o que significa que, no caso, o órgão responsável pelo estabelecimento da Zona de Amortecimento será o ICMBio, por força do disposto no  art. 3º, do projeto de Lei.

Assim, entendemos que a solução para o caso, além da aprovação da emenda ao PL nº 4.198/201, passa necessariamente por uma ampla discussão em torno da abrangência da Zona de Amortecimento, o que demandará a realização de audiências públicas nos municípios atingidos pela zona de amortecimento, com ampla participação dos setores econômicos impactados, e tratativas com o órgão responsável pela Unidade de Conservação, no caso, o ICMBio. Só assim os setores atingidos diretamente pelo PL estarão seguros da continuidade de suas atividades.

Para maiores esclarecimentos sobre o referido tema a área ambiental do escritório se encontra à disposição.

Louise Emily Bosschart

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Louise.Bosschart@lawmee.com.br

Ernesto São Thiago

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