Bancas têm recebido consultas de empresas de alguns setores da economia
O anúncio do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia gerou uma movimentação extra nos escritórios de advocacia. As bancas têm recebido consultas tanto de empresas que querem entrar no mercado europeu como de companhias locais que têm medo de perder espaço para a concorrência internacional.
“O acordo foi assinado sexta-feira [28 de junho] e na segunda já havia três consultas na minha mesa”, diz a advogada Carla Junqueira, especialista em direito internacional e sócia do escritório Mattos Engelberg. Os mais interessados, segundo ela, são os setores químico, têxtil, de metais e também as empresas do varejo.
O tratado de livre comércio envolve os 28 países da União Europeia e os quatro do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) — que, juntos, têm aproximadamente 750 milhões de consumidores.
De acordo com a negociação, uma boa parte dos produtos comercializados entre os dois blocos ficará isenta da tarifa de importação. Haverá um prazo de transição. O Mercosul prevê até 15 anos. Já os países europeus se comprometeram com um período mais curto, de dez anos, para redução da tarifa.
Não há, no entanto, uma data certa para a implementação desse acordo. O texto ainda passará por uma revisão técnica e jurídica, será traduzido para os idiomas dos países que são parte dos dois blocos e depois ainda precisará ser apreciado pelo parlamento de todos os envolvidos.
Mas o anúncio já foi suficiente para deixar o mercado em polvorosa. O de vinhos, por exemplo, bateu à porta do escritório Siqueira Castro. A negociação do Mercosul com a União Europeia prevê eliminar os 27% de Imposto de Importação cobrados das garrafas que vêm de fora — o que tende a tornar o negócio bem mais competitivo para os brasileiros.
Um dos clientes da banca, a Vivant Wines, do Rio de Janeiro, recebeu a notícia em meio a um projeto de expansão. A empresa se lançou no mercado há seis meses com a proposta de descomplicar o consumo de vinho. Um formato sem taça nem saca rolha. O vinho é vendido em lata — produto novo no Brasil, mas já conhecido de jovens dos Estados Unidos e Austrália.
A Vivant tem parceria com uma vinícola gaúcha e faz o envase da bebida em São Paulo. Colocou no mercado 75 mil latinhas de vinhos rosé, tinto e branco. Pretende fechar o ano com mais de cem mil unidades vendidas e faturamento de cerca de R$ 1 milhão. A meta, para 2020, é vender 600 mil latas e quintuplicar a receita.
Mas no meio do caminho poderá ter de enfrentar, de igual para igual, a concorrência e expertise do mercado de vinhos da Europa. André Nogueira, um dos sócios fundadores da Vivant, diz que o problema, em si, não é a redução tarifária para o produto de fora.
“O objetivo da nossa empresa é tornar o vinho fino mais acessível e achamos que a redução do imposto pode incentivar ainda mais o consumo da bebida no Brasil”, afirma. “O fato é que vai mudar muito o cenário para a gente.”
O empresário teme que o fundo de R$ 150 milhões anunciado pelo governo para fomentar o setor não seja suficiente para atender todas as vinícolas do país — cerca de 2,5 mil. Por isso entrou em contato com o escritório de advocacia.
“A empresa está estruturando a sua operação. Antes do anúncio do acordo havia estudo sobre qual o Estado seria mais favorável para o negócio. Agora, estamos fazendo novos estudos de viabilidade econômica para saber se vale a pena manter a operação no Brasil ou levar para fora do país”, detalha a advogada Bianca Xavier, do escritório Siqueira Castro.
Esse setor tem uma peculiaridade fiscal que, segundo a advogada, pode deixar o vinho brasileiro até mais caro do que o europeu se o Imposto de Importação for realmente zerado. Enquadra-se, em alguns Estados, no regime da substituição tributária — quando o primeiro da cadeia recolhe o ICMS por todos os outros (distribuidor e varejo).
“Como o produtor não sabe qual será o preço final, cria-se uma margem de valor agregado e essas margens são, geralmente, muito altas”, diz Bianca Xavier. Para as vinícolas, que são as responsáveis pelo recolhimento, a antecipação do imposto de toda a cadeia tem impacto direto no caixa. Trava os investimentos e faz com o que setor se torne menos competitivo.
A advogada cita ainda que o pequeno produtor só tem direito ao Simples Nacional, nesse setor, se vender o seu produto para o atacado. “Muitas vezes eles não se encaixam”, comenta. “É preciso repensar essas questões. Estudar o que pode ser feito para que o mercado brasileiro consiga competir de igual para igual com o de fora.”
Especialista em direito internacional, a advogada Carla Junqueira afirma que o governo tem se mostrado mais aberto ao diálogo e em atender os pleitos das empresas. Ela cita como exemplo a publicação do Decreto nº 9.885, de junho, que instituiu o Comitê Nacional de Investimentos da Câmara Nacional de Comércio Exterior (Camex).
O órgão, que tem funções tanto consultivas como deliberativas, poderá elaborar propostas de políticas públicas, diretrizes e ações relacionadas aos investimentos no país e também aos investimentos brasileiros no exterior. “Só que as empresas precisam entender que o governo é reativo. Elas têm que ir até ele e pedir”, diz a advogada.
As companhias locais vão ter que reduzir os seus custos para competir com o mercado europeu, frisa Carla Junqueira. E se isso passa por questões governamentais, afirma, os setores precisam se organizar e formalizar os seus pleitos. Há um movimento, desde o começo do ano, por exemplo, da indústria brasileira para reduzir o Imposto de Importação de insumos.
“Até pouco tempo, a indústria levava o seu pleito e saía quase chorando. Havia proteção somente para matéria-prima”, comenta Carla Junqueira. “Temos a sinalização, agora, de que isso está mudando. A indústria muitas vezes precisa, por exemplo, de um químico, um polímero ou uma resina, com características diferentes do produzido no Brasil e, para isso, tem de pagar 12% só de Imposto de Importação, o que encarece o produto para o consumidor.”
Na outra ponta, de empresas interessadas em entrar na Europa, a busca aos escritórios de advocacia é principalmente por informações sobre como se preparar e estar pronto para quando as tarifas estiverem reduzidas. Existem critérios técnicos e certificações que precisam ser levados em conta, diz Carla Junqueira. Mas não basta, segundo ela, estudar a legislação dos países de interesse.
“Tem que conhecer os padrões privados. As condições que são impostas pelo mercado e que não constam em lei”, alerta. “Se isso não for feito, o empresário brasileiro, mesmo estando tecnicamente preparado, pode não conseguir vender o seu produto.”
Vera Kanas, sócia do escritório Tozzini Freire, já foi procurada por empresas do setor automotivo e do agronegócio. “Esse acordo é importante não só pela abrangência, mas por ser um cartão de visitas para encorajar outros blocos a negociarem com o Mercosul”, diz. “Pode se tornar um impulso para negociações com o Canadá, por exemplo, um aprofundamento com o México, e um novo acordo com a Coreia.”