Acordo com Mercosul reforça modelo de desenvolvimento da UE em meio à onda protecionista de Trump

2 . julho . 2019

O acordo entre a União Europeia e o Mercosul representa mais do que a criação de um mercado consumidor de 32 países com PIB conjunto de US$ 22 trilhões. Para especialistas, se para os sul-americanos é uma oportunidade de reaquecimento da economia, para os europeus ele representa a reafirmação de seu modelo de desenvolvimento, baseando na integração e no comércio, em meio ao cenário de fortalecimento do discurso protecionista do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

— Embora este acordo abranja quase 800 milhões de pessoas e tenha um impacto considerável na redução de tarifas, também destaco o compromisso da UE de liberalizar o comércio e as negociações em um momento em que os Estados Unidos e a China estão envolvidos em uma guerra comercial, mas o acordo agora precisa ser ratificado por 28 países em um momento de crescente reação contra a China – afirmou Benjamin Haddad, diretor da Iniciativa Futuro da Europa do centro de pesquisas americano Atlantic Council, baseado em Washington.

Além da vitória emblemática, que ocorre em um momento de grandes questionamentos da União Europeia – seja pela decisão do Reino Unido de abandonar o bloco (o chamado Brexit, que ainda não ocorreu), seja pelo aumento do nacionalismo em todos os países do tratado —, o acordo tem outros impactos. Em uma fase de tantos questionamentos, é uma revigorada na mais eficiente, profunda e bem-sucedida união aduaneira do mundo, que aboliu fronteiras e criou uma moeda única.

E ainda serve de sinal para Washington. O presidente americano ensaia estender a sua guerra comercial, que já afetou Canadá e México e agora está concentrada na China, aos europeus. Incomodado com a alta importação de produtos industrializados dos europeus – em especial os carros alemães —, Trump não perde uma oportunidade de fustigar os históricos aliados, com quem tem a estratégica Otan. Com o acordo com o Mercosul, os europeus ganham mais força: podem ameaçar Washington de suspender ou reduzir as compras de produtos agrícolas, substituindo-os por produtos do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

RESPOSTA AO PROTECIONISMO

— Para os europeus é um sinal importante a favor do comércio, da globalização e de oposição a Trump – afirmou Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute e da diretora da John Hopkins University em Wasgington (EUA)

A economista afirma que o acordo é um passo importante para o comércio mundial e para as economias da região, mas não pode ser visto como uma “panaceia”.

— Temos muitos detalhes a serem conhecidos. Será um acordo baseado nos debates do século 20 ou já pensando nas economias do século 21? — questionou a economista. — Temos que lembrar ainda que o acordo é uma resposta dos europeus ao protecionismo defendido por Washington.

Ela acredita, contudo, que a médio e longo prazo os acordos comerciais sempre ajudam os países a se abrirem. Com isso, ganham mais competitividade.

— É um passo importante, mas não acredito que é o momento de descrevê-lo com tantos superlativos — disse.

PESO GEOPOLÍTICO

Embora sem conhecer seus detalhes econômicos imediatos, o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul poderá ajudar o Brasil e a Argentina a viver em um mundo cada vez mais polarizado entre Estados Unidos e China. Segundo especialistas, questões como a briga em torno do padrão 5G de internet, que fez Washington iniciar uma guerra contra a chinesa Huawei, tendem a se ampliar.

— Em dez anos a polarização estará ainda maior. E, para o Brasil, será fundamental para manter sua voz ter relações com terceiros países e mercados — avaliou Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV.

Em sua opinião, o acordo anunciado na sexta-feira dá novo peso geopolítico ao Mercosul, que estava meio sem norte definido pelos dois principais sócios do bloco: Brasil e Argentina. Stuenkel, contudo, pondera que chega a ser irônico que o acordo tenha sido fechado pelo governo brasileiro de Jair Bolsonaro, que em sua opinião tem um chanceler que não gosta da globalização — a União Europeia é onde isso é mais forte — e por um ministro da economia que já disse não gostar do Mercosul.

— Este acordo, mesmo que não tenha todo o impacto econômico que se imagina, é cercado de simbolismos. Para o mundo é um grande acordo entre dois blocos, justamente em um momento de guerra comercial e do discurso protecionista de Donald Trump — afirmou Stuenkel.

O especialista disse ainda que o acordo tende a ser bem visto pelos chineses. Seu forte crescimento econômico é baseado no comércio internacional e toda forma de intensificar estas trocas acaba, indiretamente, ajudando Pequim.

NORMAS E PADRÕES

Carla Junqueira, sócia do Mattos Engelberg Advogados e especialista em direito internacional — participando de diversas organizações, como a Internacional da American Bar Association (ABA) — afirma que a assinatura do acordo abre, imediatamente, muitos desafios, embora os efeitos práticos na economia possam demorar a serem sentidos. O primeiro desafio da lista é dar celeridade à ratificação pelo Congresso Brasileiro:

— Acordos internacionais demoram, em média, de um ano e meio a dois anos para serem aprovados — disse ela.

Mas, independentemente disso, as empresas precisam se preparar. Quem pretende acessar o gigantesco mercado europeu precisa se preocupar com normas e padrões únicas:

— As exigências europeias, sejam fitossanitárias, de regras e normas, são muito mais rígidas que na América do Sul e mesmo que nos Estados Unidos — disse ela.  — E as empresas nacionais precisam se preparar para a chegada de importados com um novo padrão de qualidade.

GANHO DE COMPETITIVIDADE

Otaviano Canuto, diretor do Center for Macroeconomics and Development em Washington, pesquisador do Brookings Institute e ex-diretor do Banco Mundial, do BID e do FMI, afirma que este acordo pode ser um importante passo para a economia mais fechada do mundo, entre os grandes mercados.

— Não é a salvação da lavoura, mas pode ajudar a uma mudança de postura da política comercial do país — disse ele, que acredita que o acordo pode evoluir para outras áreas. — Espero que ele não fique concentrado em bens, evolua para serviços, investimentos e compras governamentais.

Canuto lembra ainda que ele revaloriza o Mercosul e dá gás para outras negociações que estão paradas, como o acordo entre o bloco e a Aliança do Pacífico (que reúne Chile, Peru, Colômbia e México).

— A longo prazo este acordo pode ajudar o país a ganhar rapidamente mais competitividade. Ao integrar o país em cadeias produtivas globais poderemos ter uma economia mais eficente — disse ele.

PRESSÃO POLÍTICA

Além disso, há política envolvida também na relação entre as duas regiões que estão celebrando o acordo. Atrelados ao maior envolvimento comercial, europeus terão mais influência para tentar evitar que o governo brasileiro, na atual gestão, abranda demais as regras ambientais, a ponto de ameaçar a Amazônia. Angela Merkel (Alemanha) e, principalmente, Emmanuel Macron (França) já falaram isso com todas as letras.

E este acordo, que será celebrado como a melhor notícia econômica de fato concluída do atual governo, serve de contrapeso às críticas ao “globalismo” que cresceram no Itamaraty com a chegada de Ernesto Araújo no topo da chancelaria nacional. Nenhuma região do mundo é mais integrada e adota os valores de liberdade — parte da crítica do Globalismo — que os europeus.

Fonte: O Globo.


 

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