No dia 30 de abril de 2019 o Governo editou a Medida Provisória de nº 881, instituindo o que denominou de Declaração de Liberdade Econômica, estabelecendo normas de proteção à livre iniciativa e ao exercício de atividade econômica e buscando restringir a atuação do Estado como agente normativo e regulador.
Em grandes linhas, o texto da MP busca garantir a facilitação da abertura de novos negócios empresariais, reforçar a autonomia das partes nos negócios privados e limitar a intervenção do Estado na economia.
Não se pode dizer que há grandes novidades no texto da Medida Provisória em relação aos seus princípios norteadores: presunção da liberdade no exercício de atividades econômicas; presunção da boa-fé do particular e intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas. Estes princípios estão todos claramente insculpidos na Constituição Federal de 88, no capítulo dos princípios gerais da atividade econômica, artigos 170 e seguintes.
As maiores inovações trazidas pela MP estão nas suas disposições finais, nas alterações que traz a dispositivos do Código Civil, como a explicitação no artigo 50 dos casos de desconsideração da personalidade jurídica, por exemplo, na alteração do artigo 1.052 para admitir a sociedade limitada unipessoal, entre outras alterações que não serão objeto deste artigo.
O que nos chama a atenção, no entanto, é o fato de que o espírito e os dispositivos da MP 881 vão de encontro com outra política cara ao atual Governo, a política de frete mínimo, instituída ainda no governo anterior pela MP 832, convertida na Lei 13.703 de 08.08.2018, mas abraçada pelo atual Ministério da Infraestrutura e pela Agência Nacional de Transportes Terrestres, ANTT, que publicou em 24 de abril de 2019 a Resolução 5.842 atualizando a tabela de fretes, além de recrudescer a fiscalização e atuação das empresas que não estão praticando a referida tabela.
O tabelamento do frete ofende aos incisos III e VIII do artigo 3º da MP, que garantem a liberdade de definir preços e a garantia de que os negócios jurídicos empresariais serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes.
Da mesma forma, o tabelamento do frete conflita com as garantias previstas no artigo 4º, da MP, em especial ao aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios (inciso VI), sem prejuízo das demais garantias.
Por fim, o tabelamento, fruto de uma resolução da ANTT, se debate diretamente com o artigo 5º da MP que dispõe que “as propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico”.
Sem descer a detalhes que já foram explorados em inúmeros artigos anteriores, as Resoluções da ANTT, em especial as de nº 6.820, 5.833 e a mais recente 5.842, não atendem aos ditames da MP.
Existe um livro chamado Forty Century of Wage And Price Controls (Quarenta Séculos de Controles de Preços e Salários), onde os autores demonstram que isso nunca deu certo na história mundial. O Brasil, contudo, não aprende com os erros. Todas as desastradas tentativas de tabelamento deixaram um legado de ações judiciais, prejuízos e passivos impagáveis: Plano Cruzado – com a trágica “Tabela da SUNAB”, passagens aéreas, juros bancários, citando apenas alguns.
Preços tabelados causam erros na formação das expectativas, limitam a competição e representam um indutor do péssimo serviço, estimulando a ineficiência.
O legislador e o Poder judiciário terão que resolver este paradoxo criado pela MP 881 definindo se prevalecerão as garantias de livre mercado por ela propugnados, ou se prevalecerá a intervenção estatal no tabelamento do frete.
A dignidade da pessoa humana, fundamento maior da República, obviamente tem que estar no plano transindividual. Ao se permitir a intervenção estatal em todo e qualquer contrato, todavia, afastando a livre negociação, se cria uma insegurança jurídica generalizada.
O risco estatal para impedir a livre negociação com o objetivo de proteger determinado grupo social opera justamente no sentido inverso, pois onera toda a cadeia de fornecimento e resulta em significativo prejuízo para toda a coletividade, que suportará o repasse dos custos de transação.