A greve dos caminhoneiros e a cláusula de Force Majeure nos contratos de venda e compra de commodities agrícolas

23 . abril . 2019

Uma vez mais o país encontra-se sob ameaça de greve dos caminhoneiros, marcada pela organização do movimento para ter início no próximo dia 29 de abril.

A greve realizada em maio do ano passado paralisou o país e teve sérios impactos sobre o PIB brasileiro. O governo federal, acuado, tentou pacificar o movimento com algumas medidas como o subsídio para o diesel e uma política de tabelamento de frete. Tais medidas, polêmicas e de eficácia discutível (além de legalidade duvidosa), passado quase um ano de suas implementações, não lograram o êxito pretendido e tampouco combateram as condições iniciais que conduziram à greve, a saber, o descolamento entre oferta de fretes e demanda por caminhões, especialmente no período de entressafra dos grãos.

Assim, um ano depois, a ameaça da greve volta a ser notícia.

Para o setor de exportações de commodities agrícolas esta ameaça retoma a discussão sobre os efeitos da greve sobre o embarque desses produtos e os limites da aplicação da cláusula de força maior para afastar a cobrança de multas nos contratos de venda e compra de commodities e de demurrage nos contratos de afretamento de navios.

Na definição do Direito brasileiro, caracterizam Força os fatos humanos ou naturais, que podem até ser previstos, mas da mesma maneira não podem ser impedidos; por exemplo, os fenômenos da natureza, tais como tempestades, furacões, raios etc., ou fatos humanos como guerras, revoluções e outros, incluindo-se a greve. Na qualidade de Força Maior e nos termos do artigo 393 do Código Civil, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes da greve se não houver por ela se responsabilizado.

Contudo é preciso contextualizar essa questão no âmbito dos contratos internacionais de compra e venda de commodities nos quais existe cláusula de arbitragem em que há escolha de legislação aplicável: a legislação inglesa.

No Direito inglês, não há o mesmo conceito de Força Maior que há no Direito brasileiro. Para aquele Direito a Força Maior é uma cláusula construída contratualmente: a cláusula de Force Majeure. Nesse sentido, vale o que estiver expressamente definido naquela cláusula contratual.

Tomemos um contrato padrão de venda e compra de soja, o contrato ANEC 41[1].

O Contrato ANEC 41 determina em sua cláusula 9.2 E) que:

“Seller shall not be responsible for any time lost due to act of God, strike, lockout, riots, civil commotion, labour stoppages at the port/s of loading or elsewhere preventing the forwarding of the goods to such port/s, breakdown of machinery and/or winches, power failure, fire or any other cause of ‘force majeure’”

O mesmo contrato ANEC remete ao FOSFA nº 4 que, por sua vez determina em sua cláusula 25. STRIKES, ETC/FORCE MAJEURE que:

“Should Sellers be prevented from loading the goods on board Buyers’ ship or should Buyers be prevented from taking delivery by reason of fire, strikes, Lockouts, riots, civil commotion or any cause comprehended in the term Force Majeure, at the port/s of loading or elsewhere preventing transport of the goods to such port/s, the contract delivery period shall be extended by 60 days. If the Force Majeure event ends less than 21 days before the end of the extended delivery period, then a further 21 days shall be allowed after the termination of the Force Majeure event. Should loading or delivery not be possible within this extended delivery period, contract to be void”

Como se vê, nos contratos acima a greve (strike) está expressamente incluída entre os eventos que caracterizam a força maior desde que impeçam o transporte da mercadoria até o porto de embarque. Note-se, porém, que é preciso que fique muito bem caracterizado o efeito da greve em impedir, e não meramente tornar mais difícil ou custoso, a mercadoria alcançar o porto de embarque.

Um ponto importante a se observar é que o aviso da Force Majeure tem que ser imediato à sua ocorrência, assim como o aviso do término da sua existência.

A consequência da aplicação da Force Majeure nos contratos acima (e como regra geral para os contratos de venda e compra internacional de commodities) é a extensão do prazo para o cumprimento do contrato por um novo período determinado, após o que o contrato poderá ser cancelado caso a greve ou seus efeitos não tenham terminado.

[1] Para saber mais sobre os contratos padrão de venda e compra de commodities cf. FAVACHO, F. G. S. C.. Contratos internacionais de commodities agrícolas. In: Frederico Favacho; Tatiana Bonatti Peres. (Org.). Agronegócio volume 1. 1ed.Lisboa: Chiado, 2017, v. 1, p. 375-430.


 

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