A Recuperação Judicial do Produtor Rural

17 . setembro . 2019

A Lei da Recuperação de Empresas e Falência, lei 11.101/2005, restringe a recuperação judicial para a sociedade empresária que, no momento do pedido deste benefício, exerça regularmente suas atividades há mais de dois anos. A Lei 12.873, de 2013, incluiu a hipótese de extensão do benefício para a pessoa jurídica que exerce atividade rural, admitindo-se, neste caso, a comprovação do prazo acima mencionado por meio da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente.

Assim, segundo a legislação vigente, apenas o produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial pode requerer Recuperação Judicial (cf. CINELLI, Gianfranco Fogacci E Hoff, Mariana de Almeida: A Recuperação Judicial do Produtor Rural Pessoa Física in Novos Temas de Direito do Agronegócio – Tatiana Bonatti Peres e Frederico Favacho org. – Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2018).

O Código Civil brasileiro, Lei 10.406/2002, define como empresário, quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, sendo-lhe obrigatória a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início da sua atividade (artigos 966 e 967).

Em relação ao empresário cuja atividade rural constitua sua principal profissão, todavia, o Código Civil dispõe que ele poderá requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro (art. 971). Pode-se afirmar, assim, que, se o legislador propositadamente facultou aos produtores rurais o registro como empresário por outro lado estabeleceu que para que faça jus ao benefício da recuperação judicial não poderá deixar de fazer este mesmo registro.

Este entendimento, que até pouco tempo parecia inquestionável, passou a ser disputado com a concessão pelos Tribunais de Justiça do Estado de São Paulo, Paraná, Bahia e Goiás, a produtores rurais com menos de dois anos de registro ou mesmo sem registro algum.

A grande surpresa veio com uma reviravolta no entendimento do STJ que em maio deste ano deferiu uma liminar para suspender uma decisão do TJMT que impedia a recuperação judicial pelos produtores rurais não cadastrados na Junta Comercial daquele estado.

Embora o novo entendimento do STJ não esteja pacificado, no último dia 7 de junho, o Plenário da III Jornada de Direito Comercial , evento promovido pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ), com apoio do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), e ocorreu na sede do Conselho da Justiça Federal (CJF), em Brasília, aprovou o seguinte enunciado:

“ENUNCIADO 97 – O produtor rural, pessoa natural ou jurídica, na ocasião do pedido de recuperação judicial, não precisa estar inscrito há mais de dois anos no Registro Público de Empresas Mercantis, bastando a demonstração de exercício de atividade rural por esse período e a comprovação da inscrição anterior ao pedido”.

A base desse novo entendimento está no argumento de que o registro na Junta Comercial não é, no caso do produtor rural que tem a faculdade, e não o dever de fazê-lo, um ato constitutivo de direitos, mas meramente declaratório da realidade que lhe precede, qual seja, da efetiva atividade empresarial por aquele produtor.

E nesse sentido o STJ voltou a rever decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso que havia revogado um pedido de recuperação judicial deferido em fevereiro, em primeira instância, para autoria a retomada da referida RJ.

Discordamos frontalmente desse entendimento na medida em que, embora o exercício de atividade empresária do produtor rural independa do registro na Junta Comercial em virtude da faculdade de registro concedida pelo artigo 971,  a Lei 11.101/2005 condiciona a concessão de recuperação judicial à apresentação da certidão de inscrição na Junta Comercial (em razão do artigo 51) ou, alternativamente (por força do § 2º do artigo 48) a apresentação da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ (substituída pela Escritura Fiscal Digital), indicando a necessidade de comprovação do exercício regular, como pessoa jurídica, pelo biênio anterior ao pedido.

Em artigo anterior, publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico, em 04 de julho deste ano eu já alertava que esta inovação na interpretação dos dispositivos da Lei de Recuperação de Empresas e Falência seria um grande risco para a concessão do crédito para os produtores e que ia na contramão da prática deste setor que sempre renegociou suas dívidas diretamente com seus credores que não fossem instituições financeiras, mas fornecedores de insumos ou compradores de seus produtos com pagamentos realizados antecipadamente.

Está claro que esse novo entendimento de alguns tribunais estaduais e, aparentemente, do STJ, não interessa à maioria dos produtores e traz muita insegurança jurídica para um setor vital da economia brasileira, motivo pelo qual se espera que não venha a prevalecer.


 

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